FOOTNOTE 14: ANGEL OF HISTORY


 
Aura Rosenberg
Chantal Benjamin
Lais Benjamin Campos
Marcelo de Souza Campos Granja
Patrizia Bach
Arno Gisinger
Frances Scholz
R.H. Quaytman
Joanna Zielińska
Jean-Luc Moulène
Jean-Michel Alberola
André Cepeda
Paulo Nozolino
João Barrento
Sismógrafo

 

Footnote 14: Angel of History é uma extensa exposição colectiva e um projecto de pesquisa acompanhado de uma conferência e uma publicação. É, também, a segunda apresentação na Casa São Roque (CSR), após a exposição inaugural de Ana Jotta INVENTORIA, uma intervenção site-specific em diálogo directo com o edifício da CSR. Angel of History pretende dar continuidade à sequência de exposições dedicada à noção de casa – um antigo espaço habitacional transformado num novo centro de arte contemporânea. Trata-se assim, uma vez mais, de uma visita “histórica” ao antigo palacete Ramos Pinto, construído em 1759, remodelado em 1900–1910 pelo arquitecto portuense-parisiense José Marques da Silva, onde tanto o lugar como o seu arquitecto são os representantes simbólicos do progresso, do processo de modernização local.

 

Surgindo como a 14ª iteração de Footnote, um projecto em curso sobre as margens da história, esta exposição centra-se nas interpretações e nos diálogos mantidos por artistas contemporâneos com o escritor e filósofo judaico-alemão Walter Benjamin (nascido em Berlim, em 1892, falecido em Portbou, em 1940), um eminente especialista na “vida cotidiana” da sociedade burguesa e do “alto capitalismo”, tal como se apresenta no seu projecto inacabado opus magnum As Passagens de Paris [Passagen-Werk], mas também na sua obra autobiográfica Infância Berlinense: 1900. O exterior e o interior tornaram-se emblemas cruciais para a sua análise topográfica da experiência da sociedade moderna, fundada na divisão entre a rua, um espaço de massas e de produção – e a casa, um “casulo de consumo”, no qual o intérieur “não é apenas o universo do indivíduo privado, mas também o seu etui”.

 

O epónimo “anjo da história” é uma antiga e rara figura iconográfica, mais conhecida no século XVIII, que aparece em impressões e gravuras antigas. Aqui, faz-se referência a esta figura directamente através da famosa alegoria de Benjamin, inspirada no monotipo de Paul Klee Angelus Novus (desenho transferido a óleo e aguarela) de 1920. Benjamin comprou a obra em 1921. No mesmo ano, projectou um jornal literário sob o mesmo nome, Angelus Novus, que deveria “estabelecer um vínculo entre a vanguarda artística e a lenda talmúdica sobre anjos que estão constantemente a serem criados e que encontram uma morada nos fragmentos do presente”. Este anjo acompanhou Benjamin enquanto se mudava entre diferentes apartamentos e reapareceu em alguns de seus ensaios – está no centro do seu último texto, publicado postumamente, Sobre o conceito de história: “Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de factos que aparece diante dos nossos olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés. Ele gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir dos seus fragmentos, aquilo que foi destruído. Mas do paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas, e que é tão forte que o anjo já as não consegue fechar. Esse vendaval arrasta-o imparavelmente para o futuro, a que ele volta as costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até o céu. Aquilo a que chamamos o progresso é este vendaval”. Em 1940, ano em que Benjamin escrevia estas palavras, a sua investigação terminou, em Portbou, na Catalunha, onde, após um longo exílio, se suicidou fugindo da Gestapo. Benjamin estava a caminho de Portugal, onde deveria embarcar no navio de refugiados que o levaria de Lisboa a Nova Iorque, onde se juntaria aos seus amigos Gretel e Theodor W. Adorno e iniciaria uma colaboração mais próxima com o Instituto de Investigação Social.

 

O exílio de Benjamin e a sua interrompida passagem por Portugal são temas que se cruzam com outras histórias transversais vividas perto do Porto. Benjamin teve um filho, Stefan, que teve quatro filhas. Uma das filhas, Chantal, nascida em Londres, teve um relacionamento com um brasileiro de origem luso-alemã, Marcelo de Souza Campos Granja, cujos bisavós tinham um negócio de cortiça em Lourosa, e residências na Granja e em Espinho. No Brasil, onde moraram vários anos, Chantal aprendeu português. Mais tarde, tiveram uma filha, Lais Benjamin Campos. Vivem agora em Berlim e, em casa, continuam a falar português. Se Walter Benjamin foi impedido de chegar a Portugal para embarcar para os Estados Unidos, Portugal reaparece na trajectória de seus descendentes. Esta Footnote indaga sobre as deslocações de Benjamin pela Europa e também sobre as deslocações da sua família até aos nossos dias: Benjamin deixa Berlim; os seus descendentes voltam para Berlim, após passagens por outros países da Europa e pela América. Estas histórias levam-nos a perguntar, de forma diferente, o que significa “estar em casa”?

 

Em Footnote 14, na Casa São Roque, as migrações da modernidade são contadas através de histórias privadas e narrativas singulares, em pequena escala, desenvolvidas ao longo dos anos. Entre os participantes incluem-se artistas, investigadores, crianças e professores: Aura Rosenberg, Chantal Benjamin, Lais Benjamin Campos, Marcelo de Souza Campos Granja, Patrizia Bach, Arno Gisinger, Frances Scholz, RH Quaytman, Joanna Zielińska, Jean-Luc Moulène, Jean-Michel Alberola, André Cepeda, Paulo Nozolino, João Barrento, Sismógrafo. Este projecto envolve ainda colaborações com o Walter Benjamin Archiv, em Berlim, o Werkbund Archiv, em Berlim, a Câmara Municipal do Porto, a Fundação Marques da Silva, no Porto, o Centro Português de Fotografia, no Porto, a Galerie Chantal Crousel, em Paris, a Galeria Miguel Abreu, em Nova Iorque, o Museu de Serralves e, especialmente, a Casa das Artes e o colectivo Sismógrafo, no Porto, pela conferência Imagens de Pensamento, com curadoria de Susana Camanho e Emídio Agra.

 

 

Footnote é um projeto em curso de Barbara Piwowarska, iniciado em 2010, empregando uma “metodologia de margens”, referenciando instituições, situações e conceitos existentes no formato de exposições e intervenções. As iterações anteriores incluem: Footnote 1: Phantom Limb (Center for Contemporary Art Ujazdowski Castle, Varsóvia); Footnote 2: Correction (Silberkuppe, Berlim): Footnote 3: Andrea Fraser (Foksal Gallery, Varsóvia); Footnote 5: Screening Space (MUMOK, Viena); Footnote 6: As Model (Miguel Abreu Gallery, Nova Iorque); Footnote 10: Museum of the Unknown (Centre Pompidou, Paris), Footnote 11: Volodymirskyi Market(Semana de Arte de Kiev, Kiev), ou Nota de rodapé 12: Não médio (Academia de Belas Artes / Bureau de Exposições, Varsóvia).

 

 

Exposição: 25 de outubro de 2020 – 5 de outubro de 2021

 

Com curadoria de Barbara Piwowarska